sexta-feira, 4 de junho de 2010

Duas medidas para a liberdade

O individualismo é, sem dúvida, uma das principais características dos indivíduos da sociedade capitalista. A violenta competitividade do livre mercado significa também a desumana competição entre os livres seres humanos da pós Revolução Francesa. Pelo que se pode perceber, a maior liberdade que o indivíduo da sociedade burguesa desempenha é, em primeiro lugar, em relação a si mesmo, quando tem liberdade para, apenas, vender sua força de trabalho ao capital. Ou seja, para entregar-se ao mercado e ser esfolado no “chão da fábrica”. Em segundo lugar, essa liberdade se estabelece na relação de um indivíduo com o outro, aquele que, para a sociedade capitalista, divide o mesmo espaço e, jamais, compartilha-o.

Quando defendemos a idéia de que existem seres humanos livres, numa sociedade pautada na divisão de classes, defendemos, ao que me parece, a existência de indivíduos que vivem em qualquer outro lugar, menos nesse mundo de barbáries, em que a maior delas se revela na simples, mas ao mesmo tempo complexa constatação: a exploração do homem pelo homem.

Para uma sociedade dividida em classes, poderíamos desdobrar o conceito de liberdade que marca a sociedade capitalista e estabelecer, claramente, ao invés de um, dois conceitos de liberdade. Ou seja, duas medidas para a liberdade exercida pelo indivíduo da sociedade burguesa: primeiro, a liberdade para ser explorado, excluído, maltratado pelo capital e pelo Estado. Segundo, a liberdade para explorar, excluir, maltratar e ter o capital e o Estado a sua disposição.

Nesse primeiro conceito de liberdade, o indivíduo tem um campo limitado de mobilidade e sua liberdade consiste, portanto, no trânsito ordenado entre as esferas do que poderíamos chamar de sub-mundo. Por exemplo, o indivíduo que é livre dentro dessas esferas, pode oferecer sua força de trabalho em diferentes locais¹, pode ir a um boteco (escolher dentre muitos), tomar uma pinga de péssima qualidade (escolher dentre muitas marcas) e pode voltar para sua casa , talvez, alugada (pode escolher dentre várias). Mas esse ser humano não “pode”, não tem condições econômicas para ir ao teatro; para tomar uma pinga de melhor qualidade, aquela que é exportada para ser vendida a preços similares aos de uísque no exterior e que é menos prejudicial à saúde; e para morar em uma casa que seja sua² . Já no segundo conceito, o indivíduo exerce sua liberdade num campo ilimitado e pode transitar por lugares exclusivos a sua classe, mas também pode visitar os lugares freqüentados pelos indivíduos da classe que é explorada e que sustenta a liberdade que está vinculada ao que aqui chamamos de segundo conceito. Ele pode ir ao teatro e pode ir ao boteco, pode tomar a pinga de melhor qualidade e também a pior pinga, e pode morar em uma mansão ou apenas alugar uma modesta casa.

Não é difícil perceber que uma sociedade dividida em classes divide também as oportunidades dos seres humanos, e os conceitos e os significados das palavras. Liberdade não tem o mesmo sentido prático para o dono da empresa e para o operário que nela trabalha. O conceito abstrato de liberdade pode ser um só, mas sua realização concreta revela dois ou mais conceitos, dependendo da classe a qual o indivíduo pertence.
¹ Não abordamos aqui a falta de vagas de emprego (o que é mais um empecilho à liberdade) , mas sim a condição de liberdade para a venda da força de trabalho em diferentes lugares.
² Estamos falando de um indivíduo que representa uma coletividade. Portanto, “sua” casa significa que todos tenham casas para morar.

Um comentário:

  1. Olá Alex... ótima análise que fez sobre a questão. Mas tenho algumas questões para apimentar suas reflexões. Será que a culpa pela extrema individualização do ser humano em sociedade, hoje, é culpa do capitalismo ou ele apenas exacerbou essa individualização?

    Proponho essa questão pois estou refletindo sobre o que você escreveu e fico aqui com meus pensamentos voando: na história da humanidade e das sociedades, quando ainda não existia o conceito de hoje de Capitalismo, a coisa era diferente? Essa noção de divisão de classes é antiqüíssima não é? Existem relatos (vamos demarcar a história pela bíblia) de bem antes de Cristo, não existem? A exploração do homem pelo homem, portanto é bem antiga, não é?

    Com essas questões, o que desejo é sugerir que teça suas reflexões explicitamente sobre uma outra perspectiva: a do poder! Onde poderia entrar a questão do poder em suas análises? Não é o poder que se busca quando se busca o sucesso econômico e financeiro? Daí podem surgir diversas possibilidades de análises: a partir do indivíduo, a partir das organizações empresariais e a partir das nações.

    Abraços.

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